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“Branca de Neve” e os desafios do novo filme

Há algum tempo, a Disney começou a apostar em versões live-action de seus grandes clássicos animados. No entanto, esse movimento trouxe consigo uma grande expectativa: a esperança de que os novos filmes superassem, ou ao menos tocassem o público da mesma forma que os originais. Infelizmente, nem sempre isso acontece, e a decepção parece ser quase uma constante. O caso de Branca de Neve não é diferente.

O clássico de 1937, que já era uma adaptação do conto dos Irmãos Grimm de 1812, agora ganha uma nova releitura. Essa versão não é uma adaptação fiel, mas uma tentativa de modernizar a história. Muitos elementos foram alterados ou omitidos, como a violência do conto original, que foi suavizada para proteger o público infantil. Embora a nova versão tente trazer uma atualização para os tempos modernos, ela acaba se perdendo no meio-termo, sem definir claramente sua proposta. Por exemplo, o príncipe deixa de ser um príncipe e se torna um plebeu, o que é uma tentativa de abordar questões sociais, mas a personagem de Branca de Neve ainda depende dele para acordar, o que soa um tanto contraditório com os ideais feministas contemporâneos.

Outro ponto que gerou polêmica nas redes sociais foi a escolha de “efeitos” para representar os sete anões. Embora eu acredite que se deveria ter dado emprego a sete atores anões, a justificativa do filme é que os anões são seres mágicos em uma floresta encantada, o que, de certa forma, faz sentido dentro da proposta. Além disso, há um esforço para representar a existência de pessoas anãs na sociedade, colocando um anão de verdade em um outro contexto social, o que ajuda a diferenciar as duas realidades.
Porém, fora das telas, a realidade também criou um certo desconforto. A atuação de Gal Gadot, que interpreta a bruxa má, e de Rachel Zegler, a Branca de Neve, foi marcada por um distanciamento emocional evidente. Gadot, com suas declarações públicas sobre Israel, e Zegler, com suas opiniões sobre a Palestina, criaram uma atmosfera de desconexão entre as duas. A química entre elas na tela é quase inexistente, e isso reflete na falta de intensidade da trama. A interpretação de Zegler, embora competente nas partes musicais, se perde em momentos caricatos, especialmente no início do filme, quando sua expressão exagerada com o maxilar para frente torna-se cansativa. Já Gadot, que não canta tanto quanto Zegler, também não convence totalmente em sua performance, e sua bruxa, que deveria ser sombria e ameaçadora, muitas vezes parece desconectada de sua própria personagem, especialmente durante os números musicais, quando ela chega a exibir um comportamento que, paradoxalmente, beira a diversão.

O diretor Mark Webb (de 500 Dias com Ela e O Espetacular Homem-Aranha) oscila entre acertos e erros. A atenção dada ao personagem Dunga, que não fala, é louvável, pois suas expressões e ações precisaram ser mais elaboradas para transmitir emoção, o que foi um dos pontos positivos. Contudo, as expectativas para essa produção eram altíssimas, afinal, o clássico Branca de Neve e os Sete Anões de 1937 foi o primeiro longa-metragem de animação da história, um marco cinematográfico. A equipe de figurino, que já trabalhou em Cinderela e A Bela e a Fera, também prometia grandes realizações, mas o resultado foi, na maioria das vezes, decepcionante. Cenários pouco inspiradores, repetitivos e mal feitos, somados a figurinos inconsistentes — por vezes belos e detalhados, em outras desleixados — criaram um contraste negativo que comprometeu a imersão.
Além disso, a dança de Branca de Neve com os anões, que na animação original era uma cena divertida e encantadora, foi substituída por um momento em que ela parece dançar sozinha. Isso não apenas diminui a interação entre os personagens, mas também transmite uma sensação de descaso, como se o esforço para criar uma cena animada com múltiplos personagens fosse um fardo a ser evitado.

O filme falha ao tentar equilibrar questões atuais e o politicamente correto com a essência do clássico. A tentativa de inserir temas modernos sobre beleza, poder e governança não se alinha bem com a história original, e o filme acaba por não conseguir contar nem a história clássica nem a que tenta modernizar. A famosa frase da bruxa “Quem é a mais bela do reino?” foi um erro de tradução no passado, pois o termo original “fairest” se refere à “justiça” ou “honestidade”, e não à beleza física. O filme falha em traduzir esse conceito e, por isso, perde uma oportunidade importante de oferecer uma mensagem mais profunda.

Apesar dos defeitos, Branca de Neve pode ser uma opção de lazer leve para a família, lembrando as tardes de cinema com filmes mais simples. No entanto, é difícil não perceber a falha em combinar os efeitos visuais deslumbrantes com a qualidade do enredo e da construção dos personagens. A produção poderia ter funcionado melhor no formato de uma peça de teatro, onde os efeitos poderiam ser mais simples e o foco, mais na interação humana.