Home / Arte / O homem que fez a barba de Luiz Gonzaga

O homem que fez a barba de Luiz Gonzaga

Por Giuliana Rodrigues
A gente conta com umas lendas vivas ao nosso lado, história purinha, e às vezes nem se dá conta. Tipo quando a gente encontra alguém que cruzou o caminho de Lampião, ou foi abençoado por Padre Cícero, Frei Damião… Seu Antonio Guedes é uma dessas lendas. Quase 90 anos de lucidez, inteligência e tanta disposição, que ainda hoje exerce a profissão de barbeiro.
Que ele é fã de Luiz Gonzaga, eu já sabia. Nosso vizinho no bairro, amigo do meu pai, com quem bebia umas caninhas eventuais e, nos últimos meses de vida do meu velho, ia até seu apartamento, cortar seu cabelo. Tudo virava oportunidade de papo, risadas e lembranças de trechos de músicas.
Recentemente, em seu salão, Seu Guedes nos contou uns “causos” interessantes, envolvendo o artista de Exu.
Ele lembrou que, quando era criança, por pouco sua família não foi mais uma representação da canção “A Triste Partida”, durante uma grande seca. “A gente esteve engavetado para ir naquela viagem pra São Paulo. Meu pai era da roça, aí foi na cidade acertar o caminhão que levava, o pau de arara”. No meio do caminho uma pessoa, conhecida do pai, disse que o dono de uma fazenda estava procurando caseiro para empregar. “Meu pai foi na fazenda, acertou o emprego e ninguém foi embora na ‘Triste Partida’, por causa disso”. Ufa.
No final de 1959, Gonzagão foi fazer um show em Catolé do Rocha, cidade onde Seu Guedes, já adulto, morava. Era um sábado à tarde, e ele trabalhava na barbearia. “Tinha dez cadeiras, cinco barbeiros de um lado, cinco de outro, e eu tive a sorte dele chegar. Chegou com a voz bem incrível, perguntando: ‘tem barbeiro aí?!’. Aí eu estava desocupado, e ele sentou na minha cadeira”.
Naquele tempo, barbeiro usava camisa de manga longa, gravata e navalha, não gilete. Durante o serviço, a navalha era limpa nuns panos brancos, muito bem engomados. De tanto uso, alguns acabavam com uns pequenos furos. “Quando eu espalhei a espuma no rosto, ele pegou o pano, viu uns buracos e falou mesmo assim: ‘esse paninho parece ter vindo da Guerra de Princesa!’”.
Na mesma noite ele foi para a apresentação de “Seu Lua”, no Círculo Operário de Catolé, mas não teve a ideia de guardar o paninho furado que secou o rosto do ídolo. “Não tinha nem como tirar uma foto! Era difícil, tinha que chamar um fotógrafo para fazer, né?”.  Ficam os registros orais, agora escritos aqui.
Até hoje seu Guedes coloca as músicas de Luiz Gonzaga para tocar, quase todo dia, no seu salão, em João Pessoa. Tem também uma coleção de fotos e até a famosa cadeira, onde Gonzaga sentou, está lá. Você pode sentar nela, se quiser. Inclusive, ainda ser atendido pelo mesmo homem que fez a barba do Rei do Baião.
Marcado: